06:30
Acorda.
07:15
Sai de casa.
Corre, volta.
Cê esqueceu o celular, louca.
07:30
- Moço, onde eu consigo um táxi por aqui?
- Pergunta a mocinha ali da lanchonete. Ela deve ter o número de algum.
(...)
- Oi, tudo bem? O cara da banca disse que você pode ter o número de algum taxista...
- Ah, tá.
Sorri, anota, entrega.
07:35
Liga.
- Então... eu tô um pouco longe. Perto do...
- Ah, tá bom.Obg.
Outro número.
Caixa postal.
Volta até a banca.
- O senhor sabe onde fica o ponto de táxi?
- Não conseguiu o telefone?
(Ele ainda não havia entendido pela minha expressão facial que eu estava terrivelmente atrasada?)
- Não. O senhor sabe onde fica?
- Segue reto essa avenida, vira a esquerda, encontra a praça, achou.
(A avenida tinha cinco quarteirões.)
Corre, corre, corre, respira.
Corre, corre, corre.
Vai lesma!
Esbarra: ôpa! Desculpa!
(Corra, Gal, corra!)
07:45
Ponto de táxi.
Calma, respira, você já encontrou.
- Oi... Eu.. preciso... esse endereço... cinco minutos... dá?
- Qual é mesmo o nome da rua?
(Ele aparentava a idade do meu avô, usava óculos e tinha a língua levemente presa -ou aquilo era um sotaque quase italiano-, mas disse tudo o que eu queria ouvir.)
- Entra.
Rua, rua, rua.
Sinal fechado.
Reza estranhíssima e recém-criada pra fazer o sinal abrir.
Calor. Muito calor.
Respira, você já está a caminho.
Rua, esquina, vira, sobe ladeira - enooooorme - desce outra rua.
Chega!
- É aqui mesmo?
- ???
(Cara de 'seu-maluco-o-taxista-é-você-eu-nem-moro-aqui-como-posso-ter-certeza?')
Confere o número.
Alívio.
- É aqui sim. Obrigada.
- Nadaaa... Boa sorte.
- Um bom dia pro senhor.
Calor. Muito calor.²
Respira, se ajeita.
Entra.
Senta, conversa, faz a atendente sorrir, preenche formulário, entrega, aguarda.
- Glaúcia.
- Oi. Tudo bem?
Sorrisos. Bom sinal.
- Então... está com tudo aí?
- Aham. Só não tenho a carteira de vacinação. Isso eu não vejo desde que tinha dez anos...
(Sorriso amarelo tentando convencê-la de que era mero detalhe)
- Vamos resolver isso agora.
- ???
- Você vai nesse lugar aqui e vão te dar uma nova e blá blá blá.
- Tá bom.
- Depois volta aqui comigo.
- Ok. Tchau.
Anda.
Calor.
Calor dos diabos!
Desce ladeira.
Sol quente.
Atravessa.
- Ô, seu doido! Tá cego?!?
Desce ladeirinha.
Observa o ladeirão bem na frente torcendo pra que o lugar não fique no alto dele.
Bom... deveria ter criado uma rezinha pra isso também.
Sobe, sobe, sobe.
Cansa, pára, respira.
Sobe, sobe...
- Táqueopariu! Nâo chega, não?
Se informa.
Compra Coca. (Cola)
Encontra.
- Oi. A Cida me mandou... (esperando que uma delas entendesse)
- Ah, sim. Carteira de vacinação? (entenderam)
- Aham.
- Vem cá.
Pede documento.
Escreve.
- São três vacinas.
- ??? EU vou tomar?
- Vai. Ali, ô.
- Tem gotinha?
(Não tinha nenhuma gotinha)
Volta.
Entrega papelada com o braço feito queijo suíco.
Fonoudióloga gentil, médico japa com cara de chato, garota gente boa.
Tudo certo.
Casa.
E começa a confusão.
Na saída tento descobrir como chegar até a rua X usando um atencioso vovô que me indicou uma descida, uma virada à esquerda e um ponto de ônibus que me deixaria em frente (vamos frisar isso: EM FRENTE) ao teatro.
Desço, viro e cadê ponto de ônibus?
Avisto uma banca de jornal.
Sim, porque jornaleiro e taxista sabe até caminho de formiga.
Me aproximo com a cara mais bacana que eu sei fazer e dou-lhe bom dia de criança precoce que apresenta festival de desenhos nas manhãs do SBT.Ele me olhou por cima dos óculos, abaixou o jornal e fez um gesto com a boca que eu ainda tento qualificar entre 'oi, tudo bem?' e 'vá à merda!'.
- O senhor sabe onde fica um ponto de ônibus por aqui onde eu possa pegar algum que me leve até a rua X?
- Aaahh... Aqui não tem, não.
- Mas um cara lá em cima me disse que se eu descesse e virasse a esquerda, encontraria.
- Onde você tava?
(Soou estranho, mas achei melhor responder)
- Eu vim do lugar W.
- Mas o que é que cê tava fazendo lá?
- Pra quê o senhor quer saber?
- Então... só tem ponto de ônibus aqui em cima. Nessa rua até passa um, mas demora. Se você quiser esperar... Ou tá muito cansadinha?
(Esse cara é estranho...)
- Tô cansada. Vô esperar.
- Tô.
E me deu uma cadeira dobrável verde limão pra sentar.
Ok. O velhinho era meio pilhado (falei que nem aborrecente agora...lol), mas estava um calor infernal e ele havia me oferecido cadeira, água e um pouco de sombra.
Não, eu não sou besta.
- O senhor mora aqui há muitos anos?
- Alguns.
- Conhece o bairro M?
- E precisa morar aqui há muitos anos pra conhecer?
(Velho chato!)
- ... (cara de paisagem)
Ele riu.
Ou eu tava numa pu** TPM ou queria mesmo bater nele nesse instante.
- Eu conheço. Vccê pega ônibus tal, desce não sei aonde e lenga, lenga, blá, blá, blá...
- Hã... (O céu tá bonito, né?)
- Mas o quê que cê vai fazer lá?
(Mas quê isso?!? Ele tava treinando pra repórter investigativo?)
- Desculpa?!?
- Cê vai passear lá?
- É... (meio atônita com a invasão do desconhecido)
- Ah... sim.
Chega uma moça na banca. Deve ser filha dele.
Os dois começam a conversar sobre as travessuras de uma criança que havia enfiado arroz no ouvido. Era minha deixa.
Saí da cena do vô.
Fiquei só observando os carros e motoristas que passavam.
Conclusão da tese observativa: existem mais motoristas homens que mulheres em Guarulhos. E eles se distraem mais facilmente. ;)
Pára uma Blazer pra pedir informação (também) ao vô.
Essa eu queria ver!
O vô soltou aquele riso de Monalisa pro sujeito e eu quietinha já imaginado que pergunta ele faria.
Fiquei só imaginando mesmo.
O ônibus chegou.
Um detalhe: quando dei sinal, o motorista parou kms longe de mim. Fui virar pra dar tchauzinho pra Tititi de barba branca e meti a cara no poste.
Conclusão da minha insana mente: o véio era bruxo!
Entra no ônibus e surpresa: o motorista é vidente!
- O senhor passa na rua...
- Passa sim.
Melhor não contrariar.
PS: Guarulhos deve ser um grande circo.
Roda, roda, roda.
Sacode, sacode.
Roda.
Desce.
Desce uma moça comigo e parece estar à procura do mesmo lugar que eu.
Me adianto:
- Oi, você também vai pra rua X?
- Não. Eu tô procurando esse lugar aqui.
Adivinha que lugar era?
O mesmo onde esfolaram meu braço com as agulhas!
Quando eu digo que existem mistérios indecifráveis em Guarulhos... tsc, tsc.
- Ah, eu conheço. É bem ali, ô.
Reparem meu grau de informação.
Praticamente uma nativa, né?
Adaptação é tudo, baby! lol
Segue procurando o bendito emprego do bondoso amigo.
Anda, desce rua, sobe rua, tropeça, desvia.
Calor de fritar ovos na calçada...
Acheeeeeiii!
(Iúpiiiii, vivaaaa, fogos e pirotecnia)
- Ooooiii!!!
- Hey! Me achou! Foi difícil?
- Nada... Moleza!
(Muitos blás, blás, blás depois...)
- Ô: tem uma chave escondida atrás do bebedouro. Você enfia a mão pela janelinha da cozinha, pega e fica à vontade lá.
- Pôxa, fulano... Valeu mesmo!
(Mais blás, blás, blás e tchau)
PS2: Saí de lá quase convencida a respeito d'um possível futuro político na cidade por conta da quantidade de mãos que apertei em 15 minutos.
Enfim...
Anda, pergunta nome de rua e eis que me deparo com o estádio do Flamengo.
(Flamengo, meu time, carioca.)
(Flamengo, meu time, carioca, com uma 'sede' bem ali?!? Praticamente do lado da Av. Paulista?!? - eu disse que sou exagerada - Hein?!?)
Ouve cantada, pergunta nome de rua à cabeleleira parada na porta do salão:
- Segue reto aqui e quando você encontrar um barzinho na esquina, vira pra direita.
- Obg.
Anda, anda, anda.
Cantada. (esse bairro faz um beeem pro ego...)
Anda, anda, anda, anda, anda...
- Essa por** de bar não chega nunca, não?!?
Pensei muuuito alto.
Uma senhorinha me olhou meio torto.
PS3: Por** em São Paulo é tido como um palavrão terrível. Particularmente, acho caral** bem mais estrondoso e feio.
Eu estava cansada de andar, com fome, dor de cabeça por conta do Sol escaldante no meu cucuruto (dá-lhe, vovó!) e desesperadamente louca pra tomar banho.
Dava todos os meus CD's da Britney pela sequência chuveiro-aspirina-pratoGGdecomida-cama.
E God é bom: um mercado!
Yummi, yummi! Batata frita, Coca, chocolate! - eu comecei a malhar, tá?
Não era assim a comida da minha mãe, mas como ela mesma diz: "quem tem fome come até pedra!".
Sensibilize-se aqui, ó: http://blog.controversia.com.br/2008/07/12/para-enganar-a-fome-haitianos-se-alimentam-com-bolachas-de-terra/
Eis que no auge de minha fadiga: encontrei a casa do amigo!!!
Amém de joelhos!
Maaaasss (história comprida sempre tem um mas assim, né?)...
A sabedoria do povão diz que não se deve ir com tanta sede ao pote.
Poizé.
Eu fui.
Sedenta pela sequência acima descrita, enfiei a mão, o braço e toda minha 'estabanadez' pela janelinha da cozinha e derrubei gostoso o molho de chaves!
Gritem comigo: "Nãããããããããoooo!!!"
Paciência.
Não sou de lamúrias.
Olho em volta...
Alguma coisa deve servir pra tentar pegar as chaves do chão.
Hum... balde...vassoura...
Montei meu aparato: encostei o balde (de plático! olha a arte!) na parede e subi com a vassoura empunhada como uma arma!
Acontece que enquanto me sacrificava pra abrir a porta do paraíso, nem percebi que os olhos da vizinha dele me secavam da varanda.
Adivinharam?
Não?
Pois bem!
A muié pensou que eu estava descaradamente assaltando a casa do fulano!
E a criatura começou uma sessão de pigarros daquele tipo 'eu-tô-aqui-viu?', que evolui pra uma tosse de tuberculoso do tipo 'se-você-não-desistir-eu-ligo-pra-polícia!".
Olhei pra ela.
Encarei só pra ver se ela ia sentir medo de mim. (Who's bad?) lol
Ela se intimidou um pouquinho.
Sou coração mole; deu pena.
Abri o jogo.
Expliquei a situação.
Ela desconfiou mas me deu uma colher de chá quando avisei que ligaria pro fulano avisando que eu tinha feito meleca.
De um jeito muito doido acabei foi conquistando a moça e ela resolveu descer pra me ajudar.
E feito.
Estica de cá, puxa dali e pimba! A chave!
Pessoas... eu queira beijar ela!
Chuveiro-aspirina-pratoGGdecomida-cama aqui vou eu!
E God é good!
Tantas horas depois de tudo realizado, chega minha hora de voltar pra casa.
Ligo pro fulano, agradeço, conto a bagunça da chave e depois de ouvir todo o punk melódico do meu dia ele solta:
- Pô! Mas eu não disse que tinha uma cópia embaixo da escada?!?
Fiódaputa.
Agradeço.
Arrumo a bolsa.
Vou-me.
Pego o caminho de volta.
E enquanto observo os desenhos engraçados que as nuvens formam (alguém já viu um Papai Noel deitado numa prancha de surf segurando uma tangerina com uma das mãos? - eu vi!) acredito mesmo que Guarulhos é uma cidade caoticamente divertida, com pessoas gentis, taxistas 1/2 caducos, jornaleiros bruxos, motoristas videntes, coincidências gratificantes e vizinhas observadoras e corajosas.
Acho que vou gostar de viver ali.
The end.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Queria ver só essa cara de má que vc fez para a vizinha... kkkk
mas que aventura hein! quando vai ter um tempo para me contar melhor essa história?? rs
beijos!
Que Odisséia!
To com saudade, poxa! =/
Te amadoromuitão.
:*
Postar um comentário